Bolívia enfrenta <br>campanha de direita
Cerca de 6,2 milhões de bolivianos estão convocados a decidir no próximo domingo, 21, se aceitam ou rejeitam que o artigo 168 da Constituição da Bolívia seja alterado. A mudança, proposta por organizações políticas e sociais que apoiam o processo anti-imperialista liderado, desde 2006, por Evo Morales, permite que o presidente cumpra um quarto mandato, entre 2020 e 2025.
Mais do que a possibilidade de o primeiro presidente indígena do país cumprir um novo turno no cargo, o sufrágio está a ser aproveitada pelas forças reaccionárias para colocar em causa as conquistas democráticas e progressistas alcançadas na última década. Cenário idêntico, aliás, ao sucedido recentemente na Venezuela e na Argentina.
No centro da campanha foi colocado pela direita e pelos meios de comunicação nacionais e estrangeiros (acusados pelos apoiantes do «Sim», entre os quais figura o Partido Comunista da Bolívia, de propagação de mentiras e calúnias), alegados casos de corrupção e de tráfico de influências cometidos por Evo Morales.
Entre outras acusações, destaca-se a suposta colocação de familiares em cargos públicos, e o pretenso favorecimento de uma ex-namorada do presidente, actual quadro de uma grande empresa chinesa com quem o governo boliviano firmou já sete contratos.
À partida para a fase final da campanha, o «Não» e o «Sim» encontravam-se com intenções de voto próximas. A operação de intoxicação da opinião pública terá, porém, surtido algum efeito. É o que garantem as mais recentes sondagens, amplamente difundidas, que dão uma vantagem de cerca de 19 por cento ao «Não».
Resposta firme
Evo Morales, por seu lado, desconfia dos estudos de opinião intensamente publicados nos últimos dias. Para o Chefe de Estado e pretendente a um novo mandato, a divulgação de inquéritos com largas margens de vitória do «Não» serve o objectivo dos conservadores de, em caso de vitória do «Sim», reclamarem fraude. Esse não seria um cenário virgem em actos semelhantes ocorridos desde que na América Latina triunfaram projectos políticos soberanos.
O presidente e membros do executivo da Bolívia têm-se desdobrado em desmentidos sobre os casos de corrupção que lhes são atribuídos, incluindo com a apresentação de provas tangíveis, e realçando a disponibilidade de sempre para combater abusos e crimes. Por exemplo, como ocorreu em relação ao Fundo Indígena, a respeito do qual o governo boliviano avançou com queixas contra 29 funcionários e pediu o apuramento da conduta de outros 400, revelou Evo Morales.
Evo Morales defende, também, a cabal investigação das demais denúncias por parte da Justiça.
Neste contexto, não se pode no entanto ignorar que as alegações sobre corrupção e tráfico de influências atribuídos a Evo Morales beneficiam a direita e os seus propósitos. Em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, o cientista social, Atilio Bóron, sustenta que titulares de anteriores governos da Bolívia dirigem, a partir dos EUA, a campanha suja do «Não» com um fundo de 200 mil dólares.
Bóron recorda que entre 2003 e 2014, os institutos Republicano e Democrata norte-americanos investiram em organizações sociais da Bolívia qualquer coisa como 7,7 milhões de dólares. O argentino doutorado pela Universidade de Harvard acusa ainda o jornalista Carlos Valverde, responsável pela divulgação da história em torno da ex-namorada de Morales e da empresa chinesa CAMC, de ter reunido, a 11 de Dezembro, com funcionários da embaixada de Washington em La Paz.
A resposta, apela Evo Morales, terá de ser dada pelo povo, unido no propósito de resistir à ofensiva portadora de uma agenda de reprivatizações (como, aliás, se está a verificar na Argentina e na Venezuela), e revanchista face aos avanços verificados no país: 2,5 milhões de pessoas arrancadas da pobreza extrema; erradicação do analfabetismo; elevação geral das condições de vida, da protecção social e dos direitos, liberdades e garantias; resgate dos recursos soberanos e colocação dos seus proveitos ao serviço do povo com o aumento anual do investimento do montante dali resultante, assim como o reforço das reservas soberanas, etc.
«Ganhámos oito referendos e eleições, quatro com mais de 50 por cento e quatro com mais de 60 por cento. Tal demonstra que o povo boliviano é anticolonialista, anticapitalista e anti-imperialista», sublinha Evo Morales, evidenciando confiança de que assim continuará depois do próximo domingo.